O Carnaval de 2025 foi anunciado pela Prefeitura de São Luís como o “maior de todos os tempos”. Mas, além da festa, vieram também as polêmicas. Um relatório feito por auditores do próprio município aponta que houve uma série de irregularidades e indícios de superfaturamento nos contratos com artistas que se apresentaram no evento.

No total, a Prefeitura desembolsou cerca de R$ 9,5 milhões para contratar 28 atrações musicais. No entanto, os auditores detectaram que em 10 desses contratos — que somam R$ 3,5 milhões — os valores pagos estão acima do que normalmente é cobrado por esses artistas em outras cidades.

Aumentos sem explicação

Um dos casos mais emblemáticos é o da cantora Alcione, que inclusive é maranhense. Em junho de 2024, ela recebeu R$ 199 mil para um show nas festas juninas da cidade. Mas, no Carnaval de 2025, a Prefeitura pagou R$ 300 mil — um aumento de 33% sem qualquer justificativa oficial.

A mesma situação se repete com o cantor Xande de Pilares, que foi contratado por R$ 230 mil. Em outras cidades, no mesmo período, ele foi contratado por valores que variaram de R$ 130 mil a R$ 205 mil.

Outro exemplo é o grupo Filhos de Jorge, que normalmente cobra entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, mas que recebeu R$ 250 mil da Prefeitura de São Luís. Em outra cidade, durante o mesmo Carnaval, a banda recebeu R$ 180 mil.

E os valores continuam altos:

  • Raça Negra: R$ 600 mil
  • Léo Santana: R$ 650 mil
  • Netinho: R$ 220 mil (show cancelado por motivo de saúde, e o valor foi devolvido)
  • Luísa Sonza: R$ 625 mil
  • Zé Neto & Cristiano: valor não informado, mas entre os mais altos

Pagamentos sem contrato

Outro ponto grave apontado pelos auditores foi o pagamento antecipado de cachês, ou seja, parte do dinheiro foi liberado antes da assinatura do contrato e até antes da formalização da despesa no orçamento (algo que, pela lei, deveria vir primeiro).

A cantora Luísa Sonza, por exemplo, recebeu R$ 625 mil mesmo sem haver um contrato formal entre ela e a Prefeitura. Segundo os auditores, isso é um erro grave, pois não havia qualquer documento assinado que garantisse direitos ou deveres de ambas as partes — nem mesmo uma cláusula de multa por cancelamento.

Situação parecida aconteceu com a banda Mastruz com Leite e o cantor Alexandre Pires, que também receberam antes da chamada “emissão de empenho” — que é quando o dinheiro é oficialmente reservado para uma despesa pública.

O que dizem os auditores?

Os relatórios, assinados por auditores como Jackson dos Santos Castro, Raimundo Nonato Araújo da Costa e Paulo Ricardo Ramos Fonseca Da Silva, criticam a atuação da Procuradoria-Geral do Município e da Controladoria-Geral, que teriam liberado pagamentos mesmo diante de alertas sobre possíveis irregularidades. Eles dizem que os responsáveis “ignoraram as advertências” e que isso pode ter causado dano ao erário público (ou seja, prejuízo aos cofres da cidade).

Os auditores pedem ainda que o caso seja investigado pelo Ministério Público e sugerem a abertura de processos administrativos para apurar a responsabilidade dos envolvidos — incluindo o controlador-geral do município, Sergio Motta.

Réveillon também teve suspeitas

As denúncias não se limitam ao Carnaval. Segundo os auditores, também houve superfaturamento nas contratações de shows para o Réveillon 2025 em São Luís. Um dos casos mais chamativos foi o da cantora Michelle Andrade, que recebeu R$ 480 mil. Os auditores apontam que a média de cachês dela em eventos públicos é de R$ 150 mil, o que indicaria um sobrepreço de mais de 220%.

O que diz a Prefeitura?

Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura negou as irregularidades e afirmou que tudo foi feito dentro da lei. Segundo o comunicado, os valores dos cachês foram definidos pelas próprias produtoras dos artistas, levando em conta fatores como data, local do show, passagens, hospedagem e alta demanda durante o Carnaval.

A Prefeitura também criticou a atuação dos auditores, alegando que parte das denúncias pode estar ligada a um descontentamento da categoria, após uma decisão judicial que limitou os salários dos auditores ao teto constitucional, o que teria gerado “reação” e “denúncias infundadas”.

E os artistas?

Dos 10 artistas citados, apenas Alcione e Netinho responderam. Alcione disse que desconhece qualquer irregularidade. Já a assessoria de Netinho explicou que o cantor cancelou todos os shows do Carnaval devido ao tratamento contra um câncer e que devolveu integralmente o valor pago pela Prefeitura.

Nota da prefeitura na integra:

“Os valores dos cachês foram definidos pelos próprios artistas ou representantes legais, e levam em consideração uma série de fatores, como data de contratação, localização da cidade, custos com passagens aéreas, hospedagem, alimentação da equipe, além da alta demanda de apresentações durante o período do Carnaval. Trata-se, portanto, de valores que refletem um conjunto de despesas agregadas, comuns à realidade de eventos em alta temporada como o período do Carnaval.

Ressaltamos que qualquer questionamento deve seguir os trâmites administrativos previstos em lei. Cabe ao órgão de controle interno realizar suas atribuições com responsabilidade e isenção, dentro do devido processo.

Infelizmente, toda essa situação envolvendo denúncias por parte de alguns auditores ocorre em meio a uma insatisfação da categoria, após decisão judicial que determinou a adequação dos seus salários ao teto constitucional. Tal decisão gerou desconforto e reação em parte da classe com denúncias infundadas contra a gestão”.