Reportagem da Revista Piauí, uma das mais prestigiadas em jornalismo investigativo, percorreu municípios do Maranhão averiguando o destino das emendas secretas do orçamento e descobriu suspeitas de corrupção em diversas localidades. A publicação cruzou os recursos de emendas parlamentares para Saúde indicadas por deputados federais e senadores maranhenses, dados do Orçamento da União e também do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão.
Leia também: Pacheco decide que CPI do MEC será instalada após eleições; oposição vai acionar STF
A reportagem aponta que prefeituras do Maranhão, um dos estados mais pobres do Brasil, receberam quase 1 bilhão em recursos. Em 2021, a cidade de Bela Vista recebeu R$ 5,5 milhões de reais em emendas parlamentares para pagar exames e consultas com profissionais especializados, gastos que fazem parte da chamada atenção de “média e alta complexidade”, chamadas de mec. É mais do que receberam onze capitais brasileiras, entre elas Florianópolis, Natal, Vitória, Belém e Manaus.
Considerando que Bela Vista tem apenas 11,3 mil habitantes, os R$ 5,5 milhões dão uma média de R$ 490 per capita – bem maior que a média nacional de R$ 20 por habitante. Mas não só ela. Os dados apontam que outras cidades maranhenses bateram recordes em verbas per capita.
Ainda segundo a revista, no município de Afonso Cunha, por exemplo, o valor per capita passou de R$ 520. Igarapé Grande levou a medalha de ouro: 590 reais por habitante. Nenhuma cidade, entre capitais e do interior, conseguiu tanto dinheiro.
Entre as 30 cidades mais abonadas por recursos do orçamento secreto, o Maranhão emplaca 23. Segundo a reportagem da Piauí, em 2020, o estado ficou em sétimo lugar no ranking nacional em verbas para a saúde. No ano passado, subiu para a quinta posição, atrás apenas de estados maiores: Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Contabilizadas as liberações feitas até o mês de junho, agora o Maranhão está no topo.
Cidades manipulam dados de atendimento
A Piauí conferiu primeiro os dados do Departamento de Informática do SUS (Datasus) e observou que os municípios estão informando que seus gastos em saúde tiveram um salto de um ano para o outro, o que eleva o teto do que podem receber em emendas parlamentares no ano seguinte.
Em 2019, São Raimundo das Magabeiras, situada no Sul do Maranhão, tinha um faturamento em assistência ambulatorial de 213 mil. No ano seguinte, incluindo os gastos hospitalares, o teto explodiu para R$ 4 milhões.
São Bernardo, situada na fronteira com o Piauí, pulou de 720 mil reais para 4,2 milhões.
Santa Quitéria do Maranhão tinha um limite de 280 mil reais que, no ano seguinte, disparou para 4,6 milhões. “Aumentos assim, de dez, vinte vezes em apenas um ano, é algo que nunca vi“, contou à reportagem Maria Angélica Borges dos Santos, professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Ao cruzar os dados, a Revista encontrou a explicação para a disparada dos tetos: as prefeituras estão apresentando números fictícios de serviços de saúde. Santa Quitéria, aparentemente, se tornou uma incrível máquina de consultas, testes de sangue, exames de fígado, e – recorde nacional – de testes de HIV.
Bacabal, por exemplo, com seus 105 mil habitantes, ficou com 13 milhões de reais no ano passado, superando os 12,5 milhões de reais destinados ao Distrito Federal, cuja população passa de 3 milhões.
Pela geografia financeira e política, o esquema é uma conexão direta entre Brasília e as cidades do interior do Maranhão. No nível federal, abastecendo o esquema com milhões de reais, está o orçamento secreto, aquele instrumento que o governo de Jair Bolsonaro criou para comprar o apoio no Congresso.
Prefeituras teriam falsificado dados
O que não se sabia até o momento é que há um outro fluxo das verbas que percorre um notável circuito de fraudes: as prefeituras falsificam informações ao SUS para inflar seu teto orçamentário, os parlamentares mandam verbas no volume inflado e o município recebe uma bolada – mas não termina aí.
Uma parte das verbas – que em alguns casos pode chegar a até 30% do total dos recursos enviados à prefeitura – vira o que os corretores de propina em atividade no Congresso Nacional chamam de “volta”. A “volta” é a quantia de dinheiro que a prefeitura devolve ao parlamentar que assinou a emenda beneficiando o município. É uma propina paga com verba da saúde.
Às vezes, a “volta” faz parte do acordo desde o início. Outras vezes, a cobrança chega sem aviso prévio, na base da extorsão. O deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA) é investigado pela Polícia Federal pelo uso de grupos armados na hora de extorquir prefeitos.
A Piauí procurou todos os dezoito deputados, os três senadores do Maranhão e cinco ex-parlamentares que, em algum momento, exerceram mandato nesta legislatura, para perguntar quanto cada um mandou de verbas ao estado por meio do orçamento secreto.
Dos 26 acionados, 21 não quiseram informar os dados ou não deram retorno. Dois – os deputados Bira do Pindaré (PSB) e Márcio Jerry (PCdoB) – informaram que não enviaram nenhum recurso.