As eleições municipais de 2024 deixaram sinais claros para o cenário político de 2026. Se por um lado consolidaram a força do Centrão e de partidos que mantêm grande capilaridade nas prefeituras, por outro, mostraram os limites tanto do PT quanto de Jair Bolsonaro para alavancar seus respectivas bases. Com a maior taxa de reeleição da história registrada, a disputa de 2026 já projeta mais um cenário de baixa renovação, principalmente na Câmara dos Deputados. Numa sequência de três disputas legislativas distintas, o padrão de manutenção dos mandatos está mais consolidado do que nunca.

Bolsonaro, apesar de ter conquistado um bom número de prefeituras pelo PL (516, incluindo 16 cidades com mais de 200 mil habitantes), não conseguiu alcançar a ambiciosa meta de 1.000 prefeituras. Isso mostra que, embora ainda tenha relevância eleitoral, seu domínio não é absoluto, especialmente no contexto da fragmentação dentro do campo da direita. Além disso, muitas de suas apostas em capitais e cidades importantes foram derrotadas, revelando uma fraqueza estratégica na hora de transferir votos e fortalecer candidatos.

O PT, por sua vez, teve um desempenho abaixo das expectativas, com apenas 252 prefeituras (mesmo aumentando o numero de prefeituras eleitas em 2020). A única vitória realmente significativa foi em Fortaleza, capital que volta a ser administrada pelo partido. Esse desempenho reflete que a vitória de Lula em 2022 não significou a plena reabilitação do partido, que ainda carrega o peso do antipetismo.

O Poder das Emendas Parlamentares

A manutenção de mecanismos como as emendas, associadas ao fundo eleitoral robusto, foram essenciais para garantir o sucesso de 16 prefeitos reeleitos em capitais, reforçando o papel desses líderes como cabos eleitorais decisivos para os deputados federais. Com um cenário de “semipresidencialismo” na prática, onde o poder político e econômico foi transferido ao Congresso. Se esse modelo de distribuição de recursos permanecer, o ciclo de alta reeleição parlamentar e baixa renovação será consolidado para 2026. O que coloca em evidência a influência direta da Câmara dos Deputados na governabilidade e no direcionamento de pautas e recursos, ampliando o peso da sucessão de Arthur Lira em fevereiro de 2025.

A Polarização Continua

O cenário político segue polarizado entre PT e PL, mostrando que a força do voto de opinião se mantém firme. Essa polarização é um dos fatores que limitam o Centrão de aventurar-se com um projeto presidencial. Com a estrutura política descentralizada e o foco nas disputas legislativas, o debate principal ainda reside no Congresso, onde os partidos do Centrão preferem jogar o jogo de controle das emendas e de cargos estratégicos.

Contudo, essa força polarizada não significa um mesmo caminho de vitória fácil para a esquerda. O resultado das urnas mostra que há uma desconexão entre as pautas tradicionais da esquerda e os novos valores do eleitor brasileiro, como meritocracia e religião. A direita, por sua vez, mesmo fragmentada, vem se consolidando em várias frentes, com nomes carismáticos e lideranças jovens.

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O Novo Protagonismo do PSD e a Força de Tarcísio

A vitória de Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, apadrinhada por Tarcísio de Freitas, é emblemática. Embora Bolsonaro tenha se esforçado para se associar à vitória, a realidade é que Tarcísio foi o grande articulador. O sucesso de Nunes em São Paulo é, na verdade, um fortalecimento de Tarcísio, que desponta como o grande nome da direita moderada para 2026. Suas vitórias em São Paulo e a articulação com o PSD de Kassab, agora o maior partido moderador do Brasil, demonstram uma estratégia que busca ampliar uma base de apoio para além dos limites do bolsonarismo mais radical. Esse movimento coloca o PSD e Gilberto Kassab como peças centrais na disputa pelo centro político nos próximos anos.

Isso se reflete também no desempenho de Pablo Marçal, que, sem apoio formal de Bolsonaro, conseguiu uma boa votação entre o eleitorado bolsonarista, mostrando que a figura de Bolsonaro pode não ser necessária na direita.

Governadores como Caiado e Ratinho Júnior também saíram fortalecidos dessas eleições, o que indica que a direita terá uma disputa interna para definir quem serão os herdeiros do espaço ocupado por Bolsonaro. O ex-presidente, por sua vez, insistirá que será candidato em 2026, mas seu caminho passa por uma difícil anistia no Congresso, algo que não parece viável no momento.

O Cenário da Esquerda: Lições e Desafios

Enquanto a direita se fragmenta e busca um sucessor para Bolsonaro, a esquerda enfrenta o desafio de se reinventar. O PT, apesar de ser o partido de Lula, não conseguiu crescer de forma significativa nas eleições municipais. A derrota de Guilherme Boulos em São Paulo mostrou a dificuldade da esquerda em consolidar novas lideranças capazes de atrair o eleitorado nos grandes centros urbanos. A crítica interna dentro do PT à escolha de Boulos revela um dilema maior: a esquerda precisa de novos nomes e propostas que ressoem com a atual realidade do eleitorado, mas, ao mesmo tempo, enfrenta uma escassez de figuras carismáticas capazes de rivalizar com a direita .

João Campos (PSB) e Eduardo Paes( PSD) despontam como referências fora do PT, ambos com perfis de diálogo e carisma, atributos que são valorizados pelo eleitorado brasileiro. No entanto, a esquerda precisa ir além dos perfis individuais e avançar em uma compreensão mais profunda dos problemas contemporâneos da sociedade brasileira.

A lição mais importante de que as urnas deixam para a esquerda é a urgência em se conectar com novos públicos, em especial o eleitorado feminino, que desempenhou um papel decisivo em disputas de direita contra a direita radical. Esse reposicionamento, que Guilherme Boulos começou a construir, é um caminho difícil e demorado, mas resultou se a esquerda quiser recuperar um papel de protagonismo.

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O Caminho do Governo Lula e a Aposta no Centro

Lula, por sua vez, mostrou estratégia para se manter distante das disputas municipais, sabendo que o resultado dessas eleições não reflete necessariamente o cenário presidencial. Contudo, a sua ausência de interferência na eleição para a presidência da Câmara em 2025 pode ser um erro fatal para a governabilidade. Uma disputa entre nomes como Antônio Brito (PSD) , Elmar Nascimento (União) e Hugo Motta(Republicanos) revela um jogo de poder que Lula não pode ignorar, sob pena de ver sua agenda legislativa comprometida nos últimos anos de governo.

O resultado das eleições municipais também revela que a força do governo Lula em 2026 dependerá da sua capacidade de avanço sobre o centro político, enquanto mantém a esquerda coesa. O desafio será grande, especialmente diante da força emergente de Tarcísio e do PSD. Por outro lado, a fragmentação da direita é um ponto a favor, e resta ao governo trabalhar para garantir a sua base parlamentar e solidificar o apoio dos setores centristas.

2026 um Cenário Complexo

O cenário para 2026 será de disputa intensa por um eleitorado cada vez mais fragmentado e polarizado. A continuidade de um padrão de baixa renovação política, aliada ao poder das emendas parlamentares, deve fortalecer o papel do Congresso na dinâmica política. No entanto, a fragmentação interna da direita, a busca da esquerda por novas lideranças e a força do centro moderador serão os elementos decisivos na construção dos próximos capítulos da política brasileira. Em tempos de semipresidencialismo de fato, quem controlar o Congresso terá uma chave para governar o Brasil.