O temor de uma radicalização que esticasse a um golpe de estado neste 7 de setembro vai ficando para trás. O presidente Jair Bolsonaro aproveitou a comemoração do Bicentenário da Independência, porém, para realizar um comício eleitoral com uso de recursos públicos, e já entra para a história por: 1) escancara a pequenez do Brasil no trato com a coisa pública; 2) fere princípios constitucionais ao conceder tratamento privilegiado a um candidato; 3) viola o bem estar da população onde a broxa do presidente penetrou o debate público [aí já é demais] 4) sujeita uma primeira-dama a tamanho constrangimento.
Vocês já pararam pra pensar se este modelo de governo à Bolsonaro vire o novo normal?
No tradicional desfile do 7 de setembro em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, há indícios fartos de infrações eleitorais com uso de dinheiro público para autopromoção, como afronta ao princípio constitucional da impessoalidade (art 37 da Constituição), que determina à Administração Pública o dever de se pautar pela defesa do interesse público, senda impedida portanto de atuar com discriminações e privilégios.
Ou seja, tudo o que Jair Bolsonaro não fez ontem.
Em Brasília, Bolsonaro repetiu ameaças golpistas diante de milhares de apoiadores e disse que “vai levar para dentro das quatro linhas [da Constituição] todos aqueles que ousam ficar fora delas“, em referência às críticas que ele tem feito a alguns ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), como Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Edson Fachin.
“Quero dizer que o brasileiro passou por momentos difíceis, a história nos mostra. 22, 65, 64, 18, 18 e, agora, 22. A história pode se repetir“, disse pela manhã durante um café da manhã no Palácio da Alvorada. Que fato histórico precisamente ele queria repetir não exemplificou.
De novo nós jornalistas redigimos textos, tecemos entrevistas e análises para examinar probabilidades inexistes como de um eventual golpe quando há prioridades urgentes deixadas de lado. Para citar uma, a fome de 33 milhões de brasileiros. O líder do PSB na Câmara dos Deputados, Bira do Pindaré, me contou nesta entrevista análise do porquê o golpe de Bolsonaro brochou. Há uma imensidão de pobres no país preocupados não com um eventual golpe, mas se conseguirão ter três refeições ao dia.
Noutro ponto do discurso na Esplanada, Bolsonaro puxou um coro de “imbrochável” para falar de si próprio após referir-se à primeira-dama e fez comparações entre sua esposa e a socióloga Rosângela Silva, a Janja, mulher de seu principal rival na corrida ao Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele chamou Michelle Bolsonaro de “princesa” e disse aos homens da plateia que deveriam também procurar por princesas para se casarem.
De novo: o que a suposta virilidade do presidente da República tem a ver com a comemoração do Bicentenário da Independência? O mais escandaloso é que o evento no gramado castigado pela estiagem de setembro foi custeado com dinheiro público, imposto do contribuinte para abastecer a máquina de propaganda bolsonarista com imagens.
Chegamos ao ápice deste texto: houve gente progressista analisando o 7 de setembro bolsonarista como a bala de prata da comunicação porque eles conseguiram a “imagem de milhões”. Oi? Como assim? Nem tudo é publicidade, apesar dela ser um fator preponderante sobre o sucesso ou derrota de uma campanha eleitoral, e, aqui, dirijo-me a ser um ombudsman.
Então quer dizer que o 7 de setembro bolsonarista, que não serviu para trazer um debate sobre projeto de país, desenvolvimento, propostas para os próximos 100 anos. Isso não estava lá, mas ok, conseguiram fotografias feitas pro drones de pessoas aglomeradas. O que isso diz? Quais recados dá porque imagem é comunicação e as palavras têm sentido.
É essa a estratégia de comunicação que foi pensada? Qual?
São com essas métricas que vocês estão trabalhando, visualizações, like? É o quê, precisamente? Há engajamentos melhores, já repararam o brilho no olho?
Uma foto de milhões, enquanto o país está aos trancos e barrancos não me parece ser a mais adequada. Ela se choca com a dura realidade do povo que não testemunha a mudança real, e isso gera uma decepção. Sim, eu sei que a comunicação política tem a função de realçar suas melhores qualidades, mas também tem a responsabilidade de propor um debate honesto e justo sobre a realidade do país. [que não seja pelo caminho da broxa, por favor].
Pessoas não são marionetes, robôs, são sentimentos, necessidades e problemas reais do cotidiano que cabe ao representante do povo (político) o mínimo de decoro para resolvê-los. Não é com golpe, nem me parece com a broxa do presidente que o país avançará para um desenvolvimento pleno e crescimento econômico. O caminho, a mim, parece-me outro.
Em resumo, vivemos numa era da publicação dos desejos e vontades onde as redes sociais incorporam a função de moldura dessa realidade. Temos a opção de enquadrar a esperança, o otimismo a verdade. Por fim, que as instituições responsáveis apurem as violações do comício na Esplanada, com flagrante mau uso de dinheiro público enquanto o brasileiro padece.