Três órgãos do Ministério Público no Maranhão (MP-MA) formaram uma espécie de força-tarefa para rastrear o destino do dinheiro da saúde em pelo menos cinquenta municípios do estado que registraram números inflados de atendimentos e consultas, no esquema de fraudes revelado pela Piauí. Como primeira medida concreta, promotores e procuradores enviaram aos prefeitos uma recomendação para que não remanejem verbas da saúde para outras áreas, método que praticamente inviabiliza a fiscalização do dinheiro público. A reportagem Farra Ilimitada, publicada na edição de julhomostrou que prefeituras do Maranhão têm registrado números falsos de atendimento no SUS para receber mais verbas públicas por meio do orçamento secreto.

A recomendação, assinada por integrantes do Ministério Público Federal no Maranhão, do Ministério Público do Estado do Maranhão e do Ministério Público de Contas do Estado do Maranhão, afirma que a Controladoria-Geral da União confirmou o esquema revelado pela revista: “Em análise preliminar a Controladoria-Geral da União ratificou os dados da reportagem e constatou a elevação exponencial de produção hospitalar e ambulatorial, sem possibilidade de rastreio dos indivíduos atendidos e sem efetivo aumento de instalação hospitalar e número de profissionais, com a possibilidade dessa situação se estender a inúmeros municípios maranhenses.”

“Estamos em várias frentes de trabalho, o Ministério Público e as várias instituições que trabalham nessa área, todo mundo junto, porque nós estamos querendo saber quanto dinheiro chegou, para onde foi o dinheiro e como foi gasto o dinheiro. Levantar a ida do dinheiro até os municípios e como foram alocados esses recursos”, disse à piauí Eduardo Nicolau, procurador-geral de Justiça do estado do Maranhão.

A investigação da piauí mostrou que o esquema funciona em três etapas. Na primeira, um município informa ao SUS uma elevação exponencial da quantidade de procedimentos de média e alta complexidade (como exames e consultas com médicos de especialidades) realizados em um ano. O município de Santa Quitéria do Maranhão, por exemplo, com 25,9 mil habitantes, registrou mais testes de HIV do que a cidade de São Paulo, com 12,4 milhões de habitantes. Com base nesses dados falsos, a prefeitura passa a ter um novo limite inflado para recebimento de emendas parlamentares no ano seguinte — pelas regras atuais do SUS, o teto para emendas equivale ao total produzido no ano anterior. Então, em Brasília, os parlamentares usam o novo teto para mandar verbas do orçamento secreto — o mecanismo por meio do qual o governo Jair Bolsonaro compra apoio no Congresso, permitindo que deputados e senadores decidam o destino de verbas públicas sem que seus nomes sejam revelados e sem critérios firmes de fiscalização.

Quando os recursos federais caem nas contas bancárias de prefeituras, para gastos na saúde, a regra é clara: as movimentações devem ser feitas apenas para o destinatário final. A Piauí revelou, porém, que alguns municípios do Maranhão contemplados com milhões de reais, muito acima da sua capacidade de atendimento, estão transferindo recursos públicos para as contas de administração geral da prefeitura, o que mistura o dinheiro de diferentes áreas e leva a gastos em áreas não autorizadas. Um decreto presidencial e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do Ministério Público Federal e do Banco do Brasil proíbem esses remanejamentos de recursos. As únicas exceções permitidas são quando o município não faz a gestão plena da saúde ou quando o valor é para pagamento de salários dos profissionais de saúde.

É justamente essa transferência de recursos que o Ministério Público quer evitar. Os procuradores e promotores afirmam que os recursos das emendas parlamentares, após chegarem às contas dos Fundos Municipais de Saúde, “estariam, em sua maioria, sendo transferidos para contas de outra titularidade dos municípios”. Segundo eles, essas transferências devem parar imediatamente.

Uma das responsáveis pela recomendação, a procuradora-chefe substituta do Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, Flávia Gonzalez, disse que a medida foi adotada após a primeira reunião conjunta, realizada na semana passada. “A gente já conseguiu fazer um apanhado dos valores que existem nas contas do Fundo Municipal de Saúde em cada município. E a partir desse elementos estamos trabalhando em rede. Foram abertos procedimentos pelo Ministério Público Federal, e agora o Ministério Público de Contas e o Ministério Público Estadual, cada um dentro de suas esferas de competência, estão atuando para que consigamos, de forma mais célere, dar os encaminhamentos possíveis”, disse Gonzalez.

O Tribunal de Contas da União (TCU) também está analisando o caso, após solicitação de parlamentares e procuradores do Ministério Público de Contas junto ao TCU. Das cinco representações diferentes, duas já tiveram análise da área técnica, que foi favorável à adoção de medidas para conter a farra com recursos públicos. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), os deputados Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP) e o procurador Rodrigo Medeiros de Lima fizeram um pedido semelhante: que os valores das emendas parlamentares para municípios levem em consideração os dados de atendimentos relativos ao ano de 2019, quando o esquema de fraudes ocorria em poucas cidades.

Além de concordar com a medida solicitada, a área técnica do TCU preparou uma lista de perguntas a serem enviadas ao Ministério da Saúde indagando quais providências estão sendo adotadas para apurar as irregularidades  descritas na reportagem. O relator do caso no TCU é o ministro Vital do Rêgo, que até a publicação desta reportagem se posicionado sobre o tema.

Leia aqui a recomendação conjunta do Ministério Público.

Do Domingos Costa*