Senador pelo Rio Grande do Norte e líder da Minoria do Senado Federal, o petista Jean Paul Prates demonstra preocupação com uma eventual invasão do Congresso Nacional em 2022, caso o presidente Jair Bolsonaro saia derrotado do pleito presidencial por seu hoje principal oponente: o ex-presidente Lula (PT). Em entrevista ao Diário 98, o congressista argumenta que será necessário diálogo constante com as forças de segurança e também com as Forças Armadas para evitar conflitos de rua. “Vai ser um meio de campo muito delicado de ser feito, mas terá que ser feito para evitar problemas maiores, não só invasão por si, mas atentados, pessoas que podem se machucar brigando em todos os lugares”.
Ao D98, Prates defende que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolva a medida provisória (MP 1068/2021) de Jair Bolsonaro que impõe obstáculos para as redes sociais apagarem conteúdos desinformativos. “Essa do Marco Civil, sequer merece ir a plenário. Ela tem que ser devolvida imediatamente. Porque a cada minuto, a cada hora ela gera uma janela de impunidade para os crimes contra a honra e para os crimes de ameaça”, afirmou. Pacheco deve decidir sobre a questão nesta segunda-feira (13).
Segundo o líder da Minoria, o clima no Senado mudou após os ataques do presidente e a Casa já não tem mais a mesma boa vontade de aprovar as pautas econômicas encampadas pelo Planalto. “Essa turma já percebeu que o Governo vai acabar e não vão renovar o mandato”.
Jean Paul concorda com a opinião da maioria do campo progressista de não ter abraçado, neste momento, as manifestações de direita pelo impeachment de Bolsonaro convocadas pelo MBL e Vem Pra Rua. Para ele o movimento errou ao inicialmente convocar o ato ‘nem Bolsonaro, nem Lula’. O congressista deixou e aberto, porém, a possibilidade de uma grande marcha com todos.
“Vamos juntar todo mundo e educadamente caminhar como se fosse aquelas escolas de samba do Rio de Janeiro, que tem aquelas alas bem distintas umas das outras, laranja outra branca, outra vermelha, cada um com seu bloco. E a gente não precisa concordar em tudo, mas em uma coisa a gente concorda: Bolsonaro foi um erro. Não é uma coisa que tem que ser apagada da história, porque a gente tem que lembrar sempre desses momentos ruins para não os repeti-los”, disse Prates.
Confira abaixo os principais pontos da entrevista:
D98: Como que o senhor recebeu essa nota do presidente pregando uma harmonia entre os Poderes? O senhor acredita que essa versão paz e amor do presidente Jair Bolsonaro vai durar por algum tempo?
Jean Paul Prates: Vou parodiar o nosso querido colega admirável Bob Fernandes e dizer: a montanha pariu um rato. Na verdade, essa prática do presidente Bolsonaro já tem se tornado uma regra. Toda semana ele elege um inimigo imaginário, um culpado por alguma coisa que está acontecendo no governo dele. E isso cansou. Isso realmente cansou.
Então o presidente está começando a chegar a uma situação de desagregação tamanha em que ele não vai conseguir. O próprio partido dele se dividiu ao meio. Porque aquela vitória foi tão avassaladora, do ponto de vista até espantoso para a humanidade toda e para nós brasileiros, inclusive, que a tal montanha cresceu, mas ela simplesmente não se segura.
Ela não se sustenta porque o principal vetor, pilar dela é frouxo, covarde, pusilânime. Sempre foi um parlamentar, como militar e agora como presidente é a mesma coisa: brada, grita, ameaça, convoca pessoas que inocentemente ou não aparecem por lá com suas camisas amarelas enrolados na bandeira.
O povo está com raiva porque eu falei que tinha nojo dos falsos patriotas, mas é isso mesmo. Não é dos patriotas, não é da bandeira, é de quem se enrola nela para apoiar a privatização dos Correios, por exemplo, na Bacia das Almas na pandemia. Apoiar um governo que matou cinco vezes mais pessoas do que a média mundial. Isso é uma loucura. Então a montanha pariu um rato. Quando ele volta atrás ou recua, ninguém mais acredita.
O senhor defende que o presidente Rodrigo Pacheco devolva a medida provisória (MP 1068/21) do presidente que tenta regular o Marco Civil da Internet?
Com certeza. Eu falei desde a primeira hora do dia seis de setembro, com o presidente Rodrigo Pacheco sobre isso. Eu talvez tenho sido o mais insistente interlocutor do presidente Pacheco quanto a essa medida provisória. Eu acho que as pessoas não se dão conta do alcance disso aí, que é duplo. Primeiro é a intervenção direta no Marco Civil da Internet, que foi um projeto extremamente difícil de ser aprovado, polêmico, com várias discussões.
Na semana anterior ao 7 de setembro, quando nós derrubamos uma MP que eles [o governo] não imaginavam que fosse derrubada, derrubamos com base justamente nesse argumento: olha nós vamos fazer operações aqui, vamos retirar as coisas que a Câmara colocou, jabutis. Era aquela MP da reforma trabalhista, inicialmente era para criar um sistema de empregabilidade temporário para a Covid, e eles enfiaram tudo aquilo da carteira Verde e Amarela de novo, que já tinha sido revogada antes, colocaram de novo, na Câmara, e aí trouxeram no Senado.
Essa do Marco Civil, sequer merece ir a plenário. Ela tem que ser devolvida imediatamente. Porque a cada minuto, a cada hora ela gera uma janela de impunidade para os crimes contra a honra e para os crimes de ameaça. Foi essa a intenção dessa MP. No dia 6, véspera do dia 7, liberar geral para todo mundo falar o que quiser na internet, inclusive essas ameaças que a gente viu aí, de pendurar o ministro do Supremo pela forca, de fuzilar senadores do PT. A gente recebeu esse tipo de ameaça pública. Então foi pra isso.
E aí os caras ficam impunes ali, porque as redes pra poder tirar a postagem teriam que dar direito de resposta a pessoa que está ofendendo. Imagina, o cara tá lá no meio da rua, sacando ameaças a tudo e a todos. Aí o Facebook vai ter que notificar o cara, encontrar o cara pra dar direito de defesa pela postagem que ele fez, pra dizer que não é violento botar o Fux pela forca. E aí só depois ele poderia retirar. Aí já fez os efeitos da ameaça.
Como é que é hoje? As redes fazem como nos Estados Unidos. Eu sei que não é o ideal. O ideal é próximo do que temos na Europa, que tem um órgão regulador, que está em cima das empresas, que se elas também não fizeram o policiamento dos seus seguidores este órgão regulador entra como instância superior. Mas nós temos aí mais ou menos um método já: as redes mesmo são responsáveis por coibir esse tipo de violência verbal. Com essa MP que tá em vigor, hoje elas não podem fazer isso, e se fizerem tem multas altíssimas prevista na MP. Então dói no bolso dessas empresas. O que acontece na prática: liberou geral. Qualquer um escreve qualquer coisa, ameaça qualquer pessoa.
A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Código Eleitoral. O senhor acredita que vai dar tempo do Senado se debruçar sobre o texto a tempo de valer na eleição do ano que vem?
Eu tenho visto situações até mais críticas do que essas. Felizmente, acho que isso é ruim para o Senado. Sou um dos que, toda vez que isso acontece reclamo muito. Esse problema é praticamente um cabresto que se coloca no Senado que eu não acho legal. E nesse caso do Código Eleitoral, realmente a gente vai ter que fazer um esforço porque tudo está sendo feito para que essas regras já valham ou possam ser testadas inicialmente na próxima eleição.
Então eu acho que alguns destaques que ocorreram na Câmara que não foram bem sucedidos talvez sejam recuperados e a gente possa ter a discussão de novo. E aí vai vir aquele velho argumento: se destacar e alterar vai voltar para a Câmara e a gente precisa correr com isso senão não vai valer. Paciência.
Mudou um pouco o clima no Senado. Antes havia uma certa boa vontade, uma certa maioria para prevalecer as teses do governo, ou pelo menos se não as teses do presidente, os projetos do governo para a economia para reformas. Agora a gente está um pouco cético em relação a essa questão de não alterar as coisas, e enfim colaborar com um processo mais ligeiro. Acho que não é mais o momento de fazer isto.
Acho que não só para essa reforma de código eleitoral como para as grandes reformas que o governo pretendia fazer a gente precisa ter um pouco mais de parcimônia, ter um pouco mais de calma porque o governo que está mal nas pesquisas, que ameaça a democracia, que o presidente precisa ficar criando factoides o tempo todo, ofendendo todo mundo, criando culpados desde a China até os governadores, passando pelo Supremo.
Um governo desses não pode propor mudar toda a tributação brasileira. O clima não é de discussão, de diálogo, de congregação, de tentar construir alguma coisa boa. O clima é vender as coisas que valem alguma coisa, faz o que o presidente quer, agrada as teses terraplanistas malucas do presidente quanto à saúde pública ou mesmo quanto à educação. E pronto. Vamos tentar implantar o máximo de coisas da nossa crença antes que o Governo acabe.
Essa turma já percebeu que o Governo vai acabar e não vão renovar o mandato. Então eles têm que cravar o máximo de pontos dentro da estrutura governamental, tentar manter aí esse monte de militares e apaixonados por teses de bolsonaristas, também colocar lá e tentar escondê-los da melhor forma possível. De trás de um biombo de competência ou de relevância e esperar o governo acabar. É isso que vai acontecer. A turma vai entrar numa espécie de final de festa. Só que é um final de festa que o Estado está vigilante porque pode trazer muitas surpresas para quem vier a governar no futuro.
Neste fim de semana grupos de direita manifestaram pelo impeachment. O senhor acredita que o campo progressista deveria ter ido a esses atos?
Eu acho que o movimento começou mal. Deram um sinal errado no início e daí provocou reações que são difíceis.
A gente conhece bem o campo da esquerda, os movimentos de mulheres, de negros. E não são só movimentos de esquerda, são movimentos de segmentos também que têm sua luta própria e que foram muito ofendidos individualmente. Não é questão só do Lula, isso perpassa a situação de Lula, que eu acho que foi o erro inicial quando anunciaram nem Bolsonaro nem Lula. Poxa, então excluiu 60% das pessoas que hoje estão dispostos a votar em Lula.
Quando você diz nem Lula e nem Bolsonaro, o que você está propondo? Uma coisa é certa: se você vai contra Bolsonaro porque está chateado com ele deixa o Lula em paz. O Lula não é o oposto Bolsonaro. Lula não é a extrema esquerda. Lula não é o comunismo que o Bolsonaro e outros apontam para o PT ou só porque usam camisa vermelha, bandeira vermelha junto com a bandeira do Brasil.
São pessoas que são contra as teses de programas sociais, de abraçar causas como LGBTIA+, mulheres, negros. Então essas pessoas se sentem um pouco constrangidas nos seus manifestos de dizer: “poxa como é que eu vou pra rua com Kim Kataguiri?”. Se fosse uma coisa conciliadora, vamos fazer um movimento grande. Todo mundo vai entrar. Mas a tônica é: nós não queremos mais Bolsonaro. Podemos divergir, mas uma coisa nós estamos unânimes: não queremos mais Bolsonaro.
Então é um movimento de fora Bolsonaro. Seja na eleição, seja com o impeachment, seja com o que cada um acredite que é a forma de fazer isso. Vamos juntar todo mundo e educadamente caminhar como se fosse aquelas escolas de samba do Rio de Janeiro, que tem aquelas alas bem distintas umas das outras, laranja outra branca, outra vermelha, cada um com seu bloco. E a gente não precisa concordar em tudo, mas em uma coisa a gente concorda: Bolsonaro foi um erro. Não é uma coisa que tem que ser apagada da história, porque a gente tem que lembrar sempre desses momentos ruins para não os repeti-los.
E eles precisam também fazer um mea culpa. ‘Olha eu me ilude. Eu errei. Realmente um regime de extrema-direita, um maluco justiceiro não é a solução do Brasil. Nós caímos nessa. Nós erramos, queremos aqui convergir mais uma vez, temos as nossas pretensões’. Com isso acho que teríamos mais adesão da esquerda. Não é sectarismo. Porque esse pessoal tem muitas razões, muitos traumas recentes, inclusive do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma.
Acho que tem que partir de novo, quem sabe aí mais adiante, passa mais um tempinho. Bolsonaro vai cometer mais umas três ou quatro besteiras até lá de novo. E a turma, com humildade, vem procurar a esquerda, os vermelhinhos, os mortadelas como ele gostam de chamar. E a gente faz um grande acordo. Olha, vamos lutar para tirar o presidente de alguma forma ou pelo menos para consolidar que o Brasil não quer esse cara nas eleições, na urna. O que quer que ele faça, se ele tomar outra facada, não interessa não vai de jeito nenhum. Cada um bota o seu candidato. Cada um vai para o seu lado. Defende o que tem que defender, com cuidado e respeito a todos, já que a gente aprendeu que o jeito agressivo não leva a nada.
O ex-presidente Lula tem feito movimentações de diálogo em diversas frentes e partidos. Qual seria a frente necessária para derrotar o Bolsonaro em 2022?
O presidente Lula tem feito exatamente o oposto do que esses movimentos fizeram. E não têm cortado nenhum tipo de relação com ninguém, não tem excluído ninguém. Claro, não vai conversar com a turma do Bolsonaro ou a dos terraplanistas e negacionistas.
Alguns dizem assim: ‘ah mas ele está conversando com muita gente que votou no impeachment’. Realmente o histórico recente no golpe contra Dilma é uma coisa altamente traumática para todos nós.
Mas é bom que fique claro que essas conversas partem do seguinte pressuposto: se Lula vem conversar com alguém que eventualmente votou contra ou a favor do impeachment, parte-se do pressuposto que esta pessoa já se coloca à disposição de conversar com Lula, com o PT, com quem quer que seja, co essas forças que foram atingidas por esse golpe. Fazendo inicialmente um mea culpa, dizer ‘olha eu errei muito, está tudo errado e eu preciso agora tentar corrigir’.
Porque também se nós colocamos o carimbo de golpista daquele momento da Dilma, está na testa dessas pessoas, na história da vida deles para sempre. Ninguém vai apagar. Então não é o fato de se voltar para cá, de votar em Lula no ano que vem que vai apagar isso. Está marcado nos seus eleitorados, nos estados, nas suas cidades.
Se o presidente Lula tivesse bilionário, como alguns acusam, vocês acham que ele estaria aqui concorrendo a presidente da República com mais de 70 anos, ia se dá o trabalho concorrendo para ser Presidente da República de novo? Então porque ele está fazendo isso? Justamente para organizar a sua biografia de forma a terminá-la com a Presidência da República exemplar e mostrar que ele absolutamente não roubou, não pegou dinheiro de nada e que se houve problemas dentro do governo dele, como houve em todos os outros desde que Cabral botou o pé aqui.
Então ele quer mostrar isso. Então essas pessoas com que ele está conversando pensam assim, senão não estariam conversando com Lula. Ora, você não ia receber o Lula se achasse ainda que ele é culpado daquilo tudo o que ele foi acusado e que ele não tem a menor condição de ser presidente.
Se você está recebendo, mesmo sendo do MDB do DEM do PSD ou do raio que o parta, todos esses partidos aí das siglas, PP, PL e tal. Você está recebendo esse líder é porque você acredita que de fato que ele está redimido e inocentado dos crimes que o acusaram. E que ele tem sim condição de ser Presidente da República com seu apoio ou mesmo sem o seu apoio. Pode ser que não chegue ao consenso, mas pelo menos a conversa tem que ter. E do lado de Lula acho que ele está certo procurar todo mundo. Ninguém chega a Presidente da República sozinho só com o partido.
O senhor acredita que pode ocorrer no Brasil uma tentativa de invasão do Congresso como o que ocorreu no Capitólio dos Estados Unidos caso o presidente Jair Bolsonaro perca a eleição?
Eu tenho uma visão clara desse futuro aí, caso Lula se eleja, principalmente se for Lula ou o Partido dos Trabalhadores, que nós vamos ter que ter um cuidado muito grande, umas conversas prévias muito sérias com forças de segurança, Forças Armadas, etc, vai ser um meio de campo muito delicado de ser feito, mas terá que ser feito para evitar problemas maiores, não só invasão por si, mas atentados, pessoas que podem se machucar brigando em todos os lugares, não só em Brasília.
Mas é o que eu acho que é mais desafiador é o início de um governo novo quando ele vai ter que desfazer muitas coisas. E isso pode desagradar a uma minoria muito estridente, muito reativa.
Então acho que a gente vai ter que ter muito cuidado, na ponta dos dedos, trazer essas coisas para os argumentos racionais, convencer a opinião pública. Evidentemente é facilitado pelo fato de ser eleito, isso já denota que a maioria votou em quem ganhou, mas mesmo assim haverá ainda essas rusgas.
E são processos que infelizmente Bolsonaro abriu e que aqueles monstrinhos que não voltam pra caixa tão fácil. E ele sabe despertar essas frustrações, esses ressentimentos. Bolsonaro é o líder dos ressentidos. Isso é muito difícil de ser tampado de uma hora pra outra.