Uma agenda pessoal do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Jair Bolsonaro, trouxe à tona uma série de registros internos do governo passado. O documento, apreendido pela Polícia Federal no inquérito que apura tentativa de golpe de Estado e hoje em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), contém anotações sobre reuniões, dados sigilosos e observações sobre adversários e órgãos estratégicos.
Heleno, um dos principais nomes do núcleo duro de Bolsonaro, já havia chamado atenção em julho de 2022 ao defender, em reunião, a ideia de “virar a mesa” para reverter o cenário eleitoral desfavorável. Suas anotações agora revelam mais detalhes dessa postura e do funcionamento interno do governo.
Abin paralela e investigações sigilosas
As páginas incluem referências a ações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como um monitoramento de estudantes cubanos na USP, registrado em 25 de janeiro de 2022: “Abin levantando cubanos, infiltrados na USP, para espionagem da área estudantil”.

Em 9 de fevereiro de 2020, Heleno anotou: “Abin – investigar o Coaf”, órgão que, à época, havia apontado movimentações financeiras atípicas nas contas do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, no caso que originou a investigação da “rachadinha”.

O general também mencionou que a Abin acompanhava o ex-deputado petista Vicente Cândido, chamando-o de “o novo Vaccari” — numa referência a João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT condenado na Lava Jato.

Críticas a Bolsonaro durante a pandemia
Apesar da lealdade, Heleno registrou críticas ao presidente, especialmente na condução da pandemia. Escreveu que Bolsonaro “desdenha do vírus”, que “não tem gestão” e alertou, em letras maiúsculas: “PRESIDENTE TEM QUE TOMAR VACINA”. Também avaliou que havia um “rombo na popularidade” do chefe do Executivo.

Desconfiança e controle sobre a Polícia Federal
As anotações revelam desconfiança de Heleno em relação à Polícia Federal. Em uma página, afirmou que a PF estava “preparando uma sacanagem grande”. Em outra, defendeu que o órgão deveria ser “subordinado ao presidente” e que delegados não poderiam cumprir diligências sem apoio do Planalto. A autonomia da PF foi um ponto de atrito durante o governo, levando à saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça em 2020, sob alegações de interferência política.

O caso Jair Renan
A agenda também cita anotações sobre Jair Renan, filho de Bolsonaro, que em 2021 foi presenteado com um carro elétrico de R$ 90 mil por um grupo empresarial com interesses no governo. O episódio acabou no inquérito da chamada “Abin paralela”, pois a agência teria atuado para livrar o filho do presidente de investigações sobre suspeita de tráfico de influência.

Segundo registros, a Abin passou a monitorar um ex-parceiro comercial e personal trainer de Jair Renan. Essa ação foi flagrada pela Polícia Militar do Distrito Federal, que abordou um agente da Abin no estacionamento do investigado. Heleno, em sua agenda, justificou que a apuração era parte das atribuições de segurança do GSI e que Jair Renan nunca teria usado o veículo.
O conjunto das anotações, que somam cerca de 200 páginas, agora integra as provas do inquérito sobre a ofensiva golpista e ajuda investigadores a compreender a atuação de setores do governo Bolsonaro em temas de inteligência, segurança e influência política.