Enquanto parlamentares discursam em defesa da austeridade e exigem que o governo federal corte gastos, o Congresso Nacional tem protagonizado uma sequência de decisões que caminham no sentido oposto. Em um claro movimento contraditório, deputados e senadores vêm aprovando propostas que ampliam substancialmente despesas obrigatórias e renúncias fiscais, pressionando ainda mais o já combalido Orçamento da União.
Na mesma semana em que líderes do Legislativo criticaram o aumento do IOF decretado pelo governo e defenderam ajustes nas contas públicas, o Senado aprovou, com aval quase unânime, uma proposta que estende o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas com fibromialgia e síndrome de dor regional complexa, classificando essas doenças como deficiências. A medida permitirá o acesso a salário mínimo mensal, isenções de impostos e cotas em concursos públicos, sem qualquer estimativa oficial de impacto orçamentário.
A proposta, já aprovada na Câmara, segue para sanção presidencial e deve aumentar significativamente os gastos com o BPC, que já somam mais de R$ 121 bilhões anuais, segundo dados do Tesouro Nacional.
Essa não foi a única incongruência legislativa. A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou um projeto que estabelece piso salarial para garis e concede aposentadoria especial, o que pode custar até R$ 5,9 bilhões por ano aos municípios. O Senado, por sua vez, mantém em pauta uma proposta ainda mais explosiva: um piso nacional de R$ 13,6 mil para médicos e dentistas, com 20 horas semanais de trabalho. A fatura estimada passa dos R$ 40 bilhões anuais, considerando a obrigatoriedade de complementação da União para estados e municípios.
Para integrantes da equipe econômica, a postura do Congresso beira o cinismo fiscal. Um técnico afirmou sob anonimato:
“Eles cobram cortes, mas votam projetos que estouram qualquer limite. Isso é politicamente conveniente, mas economicamente irresponsável.”
A contradição se acentua diante da omissão sobre impacto fiscal. No caso do projeto da fibromialgia, por exemplo, os relatórios destacaram apenas aspectos médicos, ignorando os efeitos nas contas públicas. Na CFT, o parecer afirmou que não haveria aumento de despesa, liberando a proposta sem maiores questionamentos.
No discurso, parlamentares como Hugo Motta e Davi Alcolumbre cobram responsabilidade do Executivo. Na prática, o Congresso age como uma usina de gastos, blindada politicamente por medidas populares que empurram a conta para o Planalto — e, por consequência, para a população.
Em um cenário de baixa articulação e pressão por resultados, o governo Lula vê-se encurralado por um Parlamento que exige ajustes, mas atua como se não tivesse compromisso algum com o equilíbrio fiscal.
A contradição não é apenas retórica, é institucional, constante e, agora, potencialmente devastadora para o esforço de recuperação econômica do país.