Ricardo Cappelli*

Diante de dois personagens do improvável, quem se arrisca a cravar o resultado final?
Diante de dois personagens do improvável, quem se arrisca a cravar o resultado final?

Todos os presidentes eleitos após a aprovação da reeleição foram reeleitos. Nunca houve uma virada numa eleição presidencial. No dia 30 de outubro, uma dessas verdades vai derreter.

A democracia só será salva se a reeleição for derrotada. O golpe prometido no STF – não há motivos para duvidar de Bolsonaro – será o juízo final das liberdades, a transformação do Brasil numa teocracia tropical. Estamos vivendo uma cruzada. Só há fé na batalha, fé no passado, mas fé.

Na disputa mais importante desde a redemocratização, os candidatos parecem dois personagens retirados da mitologia.

O capitão é o militar indisciplinado que virou o herói da tropa ao assumir o comando dos generais. Ele é a representação perfeita do sucesso do ressentimento, da vingança, da frustração, o desfile orgulhoso da estupidez sobre a ciência. Não haveria Hitler sem a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929. Não existiria Bolsonaro sem o desastre econômico da década 2010-2020 e a farsa conduzida pelos Torquemadas de Curitiba.

Esta onda de energia negativa produziu o ódio que levou, por exemplo, Damares Jesus da Goiabeira ao Senado Federal representando a capital do país. Onde fomos parar? No “foda-se”. Isso mesmo, Bolsonaro é o “foda-se” no poder, o triunfo da individualidade brutalizada.

Se o presidente se assemelha a Érebo, o deus das trevas, Lula é a encarnação da fênix brasileira. A epopeia do retirante nordestino que foi tentar ganhar a vida em São Paulo e virou presidente do país é mitológica. Aclamado internacionalmente, o ex-presidente conheceu a glória para logo em seguida ser empurrado para o inferno. Ressurgiu das cinzas com 580 dias de prisão marcados nas costas.

Quantas vezes Luiz Inácio ainda será capaz de renascer? Que peso seus ombros ainda conseguirão carregar?

Seis milhões de votos separaram os dois gigantes no primeiro turno. O que vai contar mais no segundo turno? O apoio das poderosas máquinas políticas do Sudeste será capaz de promover a “virada impossível”? Veremos a vingança silenciosa dos mortos na pandemia enchendo os pulmões do povo de esperança?

É um erro considerar como disponíveis apenas os votos de Simone Tebet e Ciro Gomes. Os eleitores deles irão votar? Haverá um padrão? E os 31 milhões de brasileiros que não compareceram? Vão mudar de ideia? E os que compareceram, votarão novamente?

Diante de dois personagens do improvável, quem se arrisca a cravar o resultado final?

Só há uma certeza. O dia 1º de novembro vai amanhecer e o Brasil nunca mais será como antes. Nunca mais. A relação rompida com seus amigos e familiares nunca mais será a mesma. Infelizmente. Se o custo foi tão alto, faça valer o sacrifício no sprint final.

Na eleição da disputa dos passados, o futuro é absolutamente incerto. Só faltam alguns dias. Milite, escreva, converse, lute, arregace as mangas e reaja com toda a coragem do mundo. A vida é viagem só de ida. Se a escuridão vencer, só lhe restará o silêncio do cárcere em si mesmo.

*RICARDO CAPPELLI Jornalista, especializado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi secretário nacional de Esporte Educacional e de Incentivo ao Esporte nos governos Lula e Dilma. Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), é secretário de Comunicação do Maranhão.

Texto originalmente publicado no Congresso em Foco*