Brasileiros viram nas últimas 48 horas pipocarem em seus celulares vídeos e declarações se seria errado ou caberia na liberdade de expressão defender a formação de um partido nazista no Brasil (como se o país precisasse de mais um partido político). Apresento a seguir alguns equívocos em torno desse debate.
Para situar: durante a edição de segunda-feira (7) no Flow Podcast, em transmissão no youtube, no qual participavam os deputados Kim Kataguiri (DEM-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), o tema liberdade de expressão era discutido quando o apresentador do programa Monark falou sobre nazismo.
“A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista, reconhecido pela lei”, afirmou Monark.
Tabata rebateu o comentário e falou que a “liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca em risco a vida do outro”. “O nazismo é contra a população judaica e isso coloca uma população inteira em risco”, disse a parlamentar.
Por sua vez, Kataguiri interviu e defendeu que a Alemanha não deveria ter criminalizado o nazismo. O deputado federal também afirmou no programa que não deveria ser proibida e criminalizada a existência de um partido nazista.
Vamos por partes para entender o todo. Alguns acharam que a discussão não passou de mais uma “polêmica”, outros defenderam que a liberdade de expressão seria um salvo-conduto para a defesa de qualquer coisa. Porém, apologia ao nazismo é crime, previsto no art 20 da Lei 7.716/89.
Teve gente que achou o tema desnecessário e apenas um fogaréu para manter audiência do programa. Revelou-se um tiro no pé, pois diversos patrocinadores pediram para retirar apoio ao programa. Participantes de outros momentos do podcast solicitaram a exclusão dos episódios em que eles colaboraram.
As consequências do debate insano estavam postas. A comunidade judaica brasileira reagiu às declarações do influenciador. “Ideologias que visam a eliminação de outros têm que ser proibidas. Racismo e perseguições a quaisquer identidades não são liberdade de expressão!”
Manifestei no meu Twitter a crítica ao jornalista Glenn Greenwald, que em um post relativizou o caso alegando suposta “censura” ao debate. Neste caso preciso discordar veementemente do colega. Hipoteticamente vamos raciocinar: digamos que o partido nazista fosse oficializado no Brasil. Qual seria a etapa seguinte? A defesa da execução de judeus, homossexuais, negros?
A meu ver, e analisando o ordenamento jurídico brasileiro, o argumento de “censura” à tese do Monark não para em pé. Seus defensores alegam que foi só uma ideia, logo não teria perigo de ser colocada em prática. Hoje é uma ideia de uma minoria. Mas e se amanhã se alastra como verdade universal à maioria?
As consequência desse debate de bêbado, conforme o próprio Monark confessou que estava bêbado durante a gravação do podcast, vieram após forte pressão da sociedade.
O Flow Podcast anunciou nesta terça (8) que demitiu Monark. O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou a apuração em relação às falas do influenciador e do deputado federal Kin Kataguiri.
O senador Humberto Costa (PT-PE) e a bancada do PT decidiram entrar, nesta quarta (9), com um pedido de cassação do mandato de Kataguiri no Conselho de Ética por quebra do decoro parlamentar.
Outro ponto que me chama atenção neste fato é a liberdade de expressão irrestrita defendida tanto pelo presidente Jair Bolsonaro quanto pelos envolvidos na defesa de um partido nazista. O direito de expressão não é valor absoluto, logo não está acima do direito à vida, por exemplo. Ponto. A democracia não é um regime que tudo pode, na tirania talvez.
A minha liberdade termina quando a do outro começa. Como, então, defenderei a criação de um partido que ameaça a existência de outras pessoas? Não faz sentido.
Por fim, já é um tema pacificado que não cabe no ordenamento jurídico brasileiro a defesa de que nazistas possam constituir partido político. Foram mais de 6 milhões de pessoas assassinadas sem condição de defesa sob a alegação de “pureza” racial.
O nazismo deve ser repudiado e não pode ser permitido que ele se organize em detrimento da democracia.