Presidenta da UBES, Rozana Barroso. Foto: Reprodução

Amanhã, domingo (21), ocorre o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em todo Brasil. De acordo com o órgão responsável pela organização da prova, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), nesta edição o exame teve 3.109.762 pessoas com a inscrição confirmada, o menor número desde 2005.

É importante lembrar que, para confirmar a inscrição, era necessário pagar a taxa, de R$ 85. Além disso, o governo Bolsonaro retirou a isenção da taxa de inscrição para candidatos que não tenham justificado o não comparecimento na edição do ano de 2020. 

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Neste ano, houve uma redução de inscrições de 50% de estudantes pretos, pardos e indígenas e representam uma fatia menor do total: 56,4%. Os brancos, por outro lado, passaram a ter maior representatividade: saltaram de 34,7% em 2020 para 41,5% em 2021.

Diante disso, o Diário 98 entrevista Rozana Barroso, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Em entrevista exclusiva, a estudante comentou o projeto de desmonte do Enem idealizado por Bolsonaro e sua equipe e relatou a realidade de milhares de brasileiros que farão a prova neste domingo. 

Para Rozana, um Enem com a “cara do governo Bolsonaro” diz respeito sobre um ENEM que nega a história, ciência, tanto quanto o seu governo. Ela denuncia uma grave evasão escolar que assola todo país e responsabiliza a ausência de políticas públicas do Governo Federal no combate à essa realidade.

1. O presidente Bolsonaro afirmou que o ENEM passa a ter “ a cara do governo”.  Como a UBES enxerga isso? Como seria um ENEM com a cara do governo Bolsonaro? 

Para nós estudantes brasileiros essa declaração de Bolsonaro é uma declaração absurda. É óbvio que ele quis dizer sobre censura. Óbvio que ele quis falar sobre um ENEM que nega a história, a ciência, tanto quanto o seu governo. 

Nós repudiamos com todas as forças qualquer tipo de censura no Exame Nacional do Ensino Médio, mas também entendemos que, de certa forma, esse Enem já tem a cara do Governo Bolsonaro, por ser um Enem irresponsável, em que há o menor número de inscritos em 16 anos, o Enem mais branco da história e por ter tantos problemas de demissão em massa. Enfim, a sua irresponsabilidade deixa bem marcado que esse governo não tem nada a ver, não liga para os estudantes e nem para a educação brasileira.

“Quando menos jovens ingressam no ensino superior, quando menos jovens negros ingressam no ensino superior, o Brasil inteiro perde porque nós somos potência e podemos ajudar o Brasil a superar tantos problemas agravados nesse momento”, enfatizou a presidenta da UBES.

2. O ENEM 2021 tem o menor número de inscritos em 16 anos. O que explica isso? A educação no Brasil está cada vez mais excludente? 

Para mim, que sou uma menina negra, estudante de ensino pré-vestibular, que sonha em ser a primeira da família na universidade pública, ver um Enem com menor número de inscritos em tantos anos dói no coração. Primeiro, porque eu sei que são milhões de jovens com os mesmos sonhos que eu. Segundo, porque eu sei também que dava para ter garantido o acesso à educação em tempo de pandemia e assim, mantido vivo no coração desses jovens o sonho de ingressar no ensino superior.

Hoje, no retorno às aulas, a gente vê: evasão escolar, abandono escolar e  tantos jovens submetidos ao subemprego para ajudar suas famílias a sobreviver. Nesse momento há o agravamento da desigualdade social, ou seja, o aumento da fome, do desemprego e tudo mais.

O governo Bolsonaro não pensou em nada para garantir o acesso à educação a esses jovens que são potências. Então, é um momento triste e um número terrível. Com certeza é uma perda muito grande para o Brasil, porque quando menos jovens ingressam no ensino superior, quando menos jovens negros ingressam no ensino superior, o Brasil inteiro perde porque nós somos potência e podemos ajudar o Brasil a superar tantos problemas agravados nesse momento.

3. Houve uma redução de inscrições de 50% de pessoas pretas, pardas e indígenas nesta edição. Já entre brancos, a redução foi menor, cerca de 35%. O que esses números representam? 

Esses números representam exatamente a gestão do Ministério da Educação que diz com orgulho que a universidade tem que ser para poucos, que não garante Internet aos estudantes por escolha.

Nós aprovamos um projeto de lei de conectividade que vai garantir internet para 18 milhões de estudantes. Primeiro o governo Bolsonaro vetou, mas derrubamos o veto e agora nós estamos lutando para que ele coloque logo em prática a lei. Por exemplo, não foi gasto um centavo para a estruturação das escolas públicas. Então, esses jovens, nesse momento, estão trabalhando, estão burlando o sistema de aplicativo de entrega de comida para conseguir trabalhar enquanto são menores de idade. Eles estão se virando para vencer a fome, para vencer o desespero, para ajudar suas famílias nesse momento difícil. 

Nós precisamos urgentemente de uma política de busca ativa desses jovens brasileiros que não se inscreveram no Exame Nacional do Ensino Médio por conta do agravamento da desigualdade social. Mas, infelizmente, a resposta que a gente tem visto é a tentativa de legalizar o trabalho infantil, ou seja, legalizar o estudante fora da sala de aula em vez de pensar em trazê-lo de volta para o acesso à educação e para o sonho de ingressar no ensino superior.

“Eles já falaram várias vezes que querem mesmo uma Universidade para poucos, porque eles não concordam com as políticas que democratizam o acesso à educação. Eles tentam retroceder vitórias gigantescas que transformam a nossa vida e consequentemente o país, mas a nossa resposta tem sido a luta porque não há Brasil que avance quando a educação retrocede”, pontuou Rozana.

4. 37 funcionários do INEP pediram exoneração e alegaram intimidação e censura. A exoneração dos funcionários resultou na convocação do presidente do INEP à Comissão de educação da Câmara dos Deputados. O objetivo de Bolsonaro é enfraquecer o ENEM?

Eu estive presente nessa audiência, inclusive convocada por nós na Comissão de Educação, e falei ao presidente do Inep tudo o que os estudantes estão querendo falar há tempo. Ele nos pediu tranquilidade e questionei como é possível termos tranquilidade com o Enem tão desastroso que coloca em xeque o nosso sonho de ingressar no ensino superior?

Certamente, tudo isso é resultado, na nossa opinião, de um governo que quer enfraquecer a prova, enfraquecer mesmo a entrada dos estudantes pobres, indígenas, quilombolas e negros nas universidades. Porque eles já falaram várias vezes que querem mesmo uma Universidade para poucos, porque eles não concordam com as políticas que democratizam o acesso à educação. Eles tentam retroceder vitórias gigantescas que transformam a nossa vida e consequentemente o país, mas a nossa resposta tem sido a luta porque não há Brasil que avance quando a educação retrocede.

O que eles estão tentando fazer é um grande retrocesso na educação, nós não vamos aceitar. Então, nós acreditamos que o objetivo deles é enfraquecer o Enem, mas eles têm que se preparar porque vai ter estudantes resistindo em defesa do nosso ingresso no ensino superior.