Escrevi, mais cedo, que as manifestações de rua de ontem tiveram um papel importantíssimo: o de que a oposição pudesse, para além das pesquisas e das suas percepções, onde se sentir-se viva e forte.
Os jornais, entretanto, na imensa maioria, fizeram coberturas e chamadas criminosamente minguadas, exceção à Folha. Estadão e Globo apelaram vergonhosamente para o que a gente, no jargão profissional, chamava de “matéria de gaveta” (aquela que pode ficar algum tempo guardada, para os dias de “vacas magras” do noticiário) para fazer as manchetes deste domingo.
N’O Globo, uma suposta “enxurrada de dólares” em investimentos, atrás de uma recuperação econômica que não existe; o jornalão paulista, ainda pior, sobre o “home office” e um paraíso da agricultura orgânica, que tanto faria estarem hoje na capa como amanhã ou depois, no feriado sem notícias quentes.
Foram, como disse a jornalista Eliane Brum, “uma mentira”, “uma traição a todos os princípios do jornalismo”.
Até a ex-tucanérrima Vera Magalhães, em O Globo, diz que “não é possível ignorar que as manifestações ocorreram e, ao menos na praça mais emblemática de atos políticos nas últimas décadas, a avenida Paulista, no coração de São Paulo, ela foi robusta, não ficou restrita aos partidos de esquerda e mostrou a existência de uma oposição vigorosa, disposta a desafiar até as recomendações sanitárias que continuam em vigor, para expressar sua indignação e o sentimento de que uma boa parcela da sociedade não aceitará mais que o presidente siga tentando ocupar sozinho o espaço público, quase sempre zombando da pandemia”.
43 anos depois de ter começado a trabalhar numa redação de jornal, seria hipocrisia dizer que possa me surpreender com isso.
Os grandes jornais não agem assim para proteger Bolsonaro, que nem mesmo em 2018 podia ser abertamente assumido e que, agora, tem de ser, com a mesma insinceridade, combatido.
Luís Eduardo Soares, no GGN, responde que “a finalidade do embuste estampado sem pudor, nas manchetes de hoje” não é “abraçar-se ao cadáver adiado do fascismo brasileiro” , mas “o comando do processo de transição para o pós-Bolsonaro”.
Agem para dissimular, esconder, ocultar o fato de que é em torno de forças de esquerda que a oposição a Bolsonaro está nucleada e que a candidatura de Lula é a sua expressão, e que o ex-presidente está posto – e se põe – como centro de gravidade desta maré que se levanta pela retomada do desejo brasileiro de justiça social, desenvolvimento e democracia.
Nutrem, faz tempo, a obsessão da 3a. via, que teima em não surgir, por uma simples razão: não há projeto de direita viável para o Brasil e aquele que possuem nem por Bolsonaro pôde ser executado sem a mais explícita adesão ao autoritarismo e à brutalidade.
Portanto, o mais importante nas comparações que circulam nas redes com o que se fez nas “diretas-já”, embora possam ser ainda distantes como uma semelhança total, em algo são absolutamente claras, desde Washington Luís: fazer a mudança antes que o povo a faça, para que tudo continue como está.
Nunca deu certo e não dará agora.