Senadora pelo Cidadania do Maranhão, Eliziane Gama avaliou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi negligente com a gestão da pandemia de Covid-19. Em entrevista exclusiva ao D98, ela comentou o cenário eleitoral costurado até o momento para o ano que vem e falou sobre a sua participação na CPI da Covid, estruturada para investigar as ações e omissões do Governo Federal durante a crise sanitária.
Segmentos religiosos do Maranhão têm sido cortejados por falanges bolsonaristas. Referência evangélica no Estado, Eliziane avalia que as denominações religiosas não estão fechadas com Bolsonaro no estado, são plurais, se pulverizam em diversos partidos e que “ninguém é dono do voto de ninguém“.
Eliziane fez duras críticas à viagem recente de Bolsonaro ao Maranhão, onde o presidente passeou de moto e sem capacete, promovendo tumultos e encenando novos ataques ao governador Flávio Dino (PCdoB). A algazarra obrigou a Vigilância Sanitária do Estado a emitir auto de infração contra o presidente por ignorar o uso de máscaras e provocar aglomeração durante a visita. No momento, o Maranhão tenta conter a disseminação de uma cepa indiana mais perigosa da Covid-19, após tripulantes de um navio serem diagnosticados com a doença. A multa aplicada a Bolsonaro poderá chegar a R$ 1,5 milhão.
A senadora maranhense ainda ponderou que o governo Bolsonaro pecou na condução das ações internacional durante a pandemia. Ela criticou principalmente os conflitos relacionados à China, país responsável pela produção de 85% do Instituto Farmacêutico Ativo (IFA), necessário para a produção da vacina contra a Covid-19. “Todos os depoimentos que tivemos até o presente momento deixam muito patente para todos nós que essa negligência acabou evidenciando, por exemplo, a falta de vacinas”.
Em 2022, o processo eleitoral no Maranhão será histórico, com duas linhas muitas claras que devem nortear o campo progressista: 1) união de forças para uma frente anti-bolsonarista no Estado; 2) busca de um governo de continuidade às políticas públicas de educação, saúde, segurança pública dinistas.
Na conversa, a senadora maranhense fez questão de ressaltar o legado que o Dinismo deve deixar ao Maranhão, após oito anos de mandato, a partir de investimentos em Educação e Segurança Pública.
Segundo dados do governo do Estado, o estado recebeu 1.250 escolas, entre construção, reforma e ampliação, como parte do programa Escola Digna.
Na Segurança Pública, durante os anos da gestão dinista, Eliziane relembrou que não houve sequer um caso de rebelião em Pedrinhas, penitenciária que assistiu a casos polêmicos em governos anteriores. Hoje, os presos estão envolvidos em atividades econômicas, que passam pela produção de chocolates, pães, máscaras contra a Covid-19, entre outras frentes de trabalho.
Para Eliziane, o senador Weverton Rocha (PDT-MA) congrega as competências técnicas para disputar uma vaga que sucederá Flávio Dino. A congressista também sinalizou que Dino deve administrar o xadrez de diálogo a partir do final deste mês, tendo em vista que o vice-governador Carlos Brandão (PSDB) também cogita disputar o pleito.
A entrevista ao Diário 98 foi concedida pela congressista usando o aplicativo Zoom, na última quinta-feira (20), enquanto a CPI da Covid ouvia o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Diário 98: Senadora, o ministro Pazuello ficou em silêncio na CPI ao ser questionado pela senhora sobre a ajuda oferecida pelos Estados Unidos na crise de oxigênio em Manaus. Ernesto Araújo, ex-Itamaraty, sequer deu um muito obrigado aos venezuelanos que enviaram oxigênio ao Brasil. Na sua opinião isso demonstra que o Governo Federal foi negligente na gestão da pandemia?
Eliziane Gama: O governo pecou, sobretudo, na gestão internacional, que era fundamental para o enfrentamento da pandemia. Era necessário ter uma boa relação internacional. Havia, de forma muito intensa, conflitos protagonizados pelo governo brasileiro em relação aos demais países do mundo, sobretudo a China.
No caso específico da aeronave, os Estados Unidos colocaram à disposição, cedendo um avião cargueiro para que ele pudesse fazer o transporte de oxigênio até Manaus. Naquele momento, Manaus estava diante de uma situação gravíssima, que era a ausência de oxigênio. No prazo de 20 dias, quase duas mil pessoas infelizmente morreram e não houve, por parte do governo brasileiro, disposição de recebimento dessa aeronave.
Diário 98: Então, houve negligência?
Eliziane Gama: Você lembra muito bem que, no caso da Venezuela, não houve disposição de ter acesso a um elemento que era fundamental ao Brasil. Não houve sequer um muito obrigado. Esse cenário deixa muito claro a negligência do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia. Todos os depoimentos que tivemos até o presente momento deixam muito patente para todos nós que essa negligência acabou evidenciando, por exemplo, a falta de vacinas.
A Pfizer se dispôs em vários contratos, de 30 milhões de doses, de 70 milhões e tudo isso que foi colocado à disposição infelizmente não foi materializado porque sequer as reuniões eram feitas. As respostas do governo brasileiro à Pfizer não foram efetivadas. Então houve claramente uma negligência, uma indisposição brasileira em buscar aquilo que era prioritário, que era o acesso à vacina.
Diário 98:Senadora, um colega da senhora na CPI tentou emplacar uma narrativa falsa de que o Governo do Maranhão defendeu a cloroquina. Porém, era um vídeo de abril do ano passado, onde a ciência ainda discutia se o remédio era eficaz para a Covid. Depois já se descobriu que era ineficaz para a Covid. Essa estratégia da base aliada do governo sugere que eles estão sem argumentos para defender a gestão do presidente na pandemia?
Eliziane Gama: Não há dúvidas, George. Veja, o Maranhão é o estado brasileiro que tem a menor taxa de mortes por habitantes do Brasil, no caso da Covid-19. O governo maranhense fez várias incursões sobretudo na transparência, na comunicação com a população. Foi o primeiro estado brasileiro, por exemplo, a adotar o lockdown [medidas mais restritivas de isolamento social]. Então, as várias ações que foram feitas acabaram dando ao Maranhão a posição do estado brasileiro com a menor quantidade de mortes
Ao mesmo tempo lá atrás, no mês de março, abril do ano passado, a gente via, logo após uma fala do presidente americano, vários países do mundo inteiro começando a ver na cloroquina uma possibilidade. Naquele momento não havia um teste para nada, não havia nenhum tipo de evidência científica do que era eficaz.
Em seguida, começaram a ter os protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e tudo foi mudado. Todos os protocolos começaram a ser adequados conforme as evidências científicas. E naquele momento o governo do Maranhão, assim como todos do mundo inteiro, viram na cloroquina uma possibilidade.
Em seguida, tanto que o Maranhão tem, em maio de 2020, um novo protocolo colocando que a recomendação da cloroquina só deveria acontecer em casos estritos e com comprovação científica pelas organizações médicas. Então, um dos colegas tentou implantar uma narrativa falsa. Foi um clima muito ruim a tentativa de limitar nossa fala.
Infelizmente, essa é uma situação que a gente tem enfrentado na comissão. O ideal era que a gente não tivesse nenhum morto, que nenhuma pessoa viesse a óbito. Infelizmente nós tivemos dezenas, como o Brasil todo teve. Se você pega todos os estados brasileiros, o estado que poderia dar alguma dica para o resto do Brasil não há dúvida que seria o Maranhão.
Diário 98: Senadora, enquanto nós estávamos concentrados acompanhando o depoimento do ex-ministro Pazuello, Bolsonaro passeava, sem capacete, em pé numa moto, numa inauguração de uma ponte, entre Santa Filomena (PI) e Alto Parnaíba (MA). Na visão da senhora, porque o presidente continua com essa postura negacionista?
Eliziane Gama: Eu acho isso realmente muito sério. Porque nós temos hoje quase 450 mil mortos no Brasil, um cenário realmente desolador.
Todo mundo no Brasil hoje tem pelo menos um conhecido ou amigo muito próximo que veio a óbito. Sem falar dos que perderam familiares, pais, esposas, filhos. E o que nós temos hoje, comprovado, é que tem que usar máscara, álcool em gel e distanciamento.
O que nós temos é uma vacina que está extremamente escassa e que o Brasil ainda se deu ao luxo de não atender às ofertas que foram apresentadas.
E agora temos uma postura dessa natureza, que deseduca, não orienta, não ajuda a população brasileira. E eu acho que o povo está muito atento em relação a isso. Ele [Bolsonaro] está na condução da política brasileira, mas nós temos um povo inteiro que está olhando cada detalhe. E naturalmente nosso trabalho da CPI a cada dia demonstra, de forma muito clara, essa ausência de comando.
Diário 98: O governador Flávio Dino encerra no ano que vem um período de oito anos de mandato. Na sua visão, qual o principal legado que ele deve deixar ao Maranhão?
Eliziane Gama: O governador Flávio Dino aparece em avaliações nacionais como um dos governadores mais bem avaliados do Brasil. O maior investimento que o Flávio fez no nosso estado foi na área da educação. Ele fez uma verdadeira revolução, com a transformação das escolas de taipa em escolas de alvenaria. Nós não tínhamos sequer uma escola de tempo integral no Estado. Hoje nós temos 52 escolas de tempo integral. Nós temos escolas bilíngues no Maranhão, então realmente é um grande legado. Nada mais é mais importante para uma nação do que o investimento em educação.
Quando você investe na educação você investe no desenvolvimento, na vida da juventude, numa geração futura. Porque se a gente for ver, por exemplo, na área da segurança pública, a gente tinha a cada semana no Maranhão um ato de rebelião no sistema prisional.
No governo Flávio Dino, nos últimos seis anos, nós não tivemos nenhuma rebelião. Fruto de uma ação organizada voltada para várias atividades no âmbito do combate à violência, numa ação sincronizada, que envolvia ação ostensiva da Polícia Militar, ressocialização, um trabalho muito interessante, mas muito também voltado para essas crianças e adolescentes, que de fato passaram a estar dentro de sala de aula.
Diário 98: A senhora é uma liderança evangélica. Os evangélicos estão fechados com Bolsonaro no Maranhão?
Eliziane Gama: Não. A questão do movimento evangélico hoje no Brasil é muito plural. Nós temos evangélicos de todas as vertentes, em vários partidos. Eu sou do Cidadania, nós temos evangélicos do PMDB, PSDB, PT e PSOL. Então, na verdade ninguém pode chegar e falar pelo povo evangélico. Nem eu e nem ninguém mais pode falar “o evangélico é isso ou aquilo”. Não é bem assim.
Essa pluralidade da comunidade evangélica faz com que, dentro do espaço evangélico, nós tenhamos defesas em todos os âmbitos. Tem pessoas que apoiam o presidente Bolsonaro, tem pessoas que apoiam outras agremiações políticas ou o ex-presidente Lula; tem evangélicos que apoiam nomes que já estão mais ao Centro, como o Sérgio Moro, do governador Dória (PSDB), do Mandetta [ex-ministro da Saúde]. Enfim, vários nomes que são apresentados como alternativas. Então a gente não pode dizer que existe apenas um movimento. Essa pluralidade, na verdade, é um sentimento do que é o processo democrático brasileiro.
Eu sou evangélica e estou no Congresso Nacional para fazer a minha posição numa postura crítica, no entendimento daquilo que eu entendo que é o melhor para o Brasil. Eu sempre digo que qualquer ação que o Governo possa apresentar que seja importante para o Brasil eu serei a primeira a apoiar e a defender e aprovar.
Como também, aquilo que eu entendo que não é bom para o Brasil, eu serei a primeira a fazer a crítica, a rejeitar e a impedir por exemplo que sejam votados. Então isso faz parte do processo democrático e faz parte de uma visão crítica que a gente tem que ter na sociedade brasileira.
Diário 98: Senadora, circulou por setores ligados ao presidente Bolsonaro defendendo que o ex-prefeito de São Luís, Edivaldo Holanda, seja candidato a governador. Como a senhora percebe esse movimento?
Eliziane Gama: O Edivaldo Holanda é uma pessoa que tem uma estima muito grande naturalmente da comunidade evangélica porque ele é evangélico. Assim como Edivaldo Holanda, o vice-governador Carlos Brandão, como o Weverton Rocha, como qualquer outro nome que se apresente como uma pré candidatura ao governo, terá o apoio de grupos e de movimentos dentro do espaço evangélico.
Agora, eu não conheço se houve uma disposição do ponto de vista de organização institucional de alguma denominação nesse sentido. Mas eu acho que as conversas e o processo eleitoral do ano que vem começam a se afunilar. A cada entendimento vai tendo naturalmente que as manifestações de fato podem acontecer. Mas ninguém é dono do voto de ninguém. Acho que o voto é um voto livre, aberto e as pessoas têm a oportunidade e o direito de escolher aquela pessoa que ele achar mais importante ou mais interessante, que tenha mais compromisso com as causas sociais, com o princípio do Evangelho de Cristo.
Algumas pessoas acabam realmente não lembrando quem era Jesus Cristo: a essência do amor, da partilha, da solidariedade e da entrega, de está com aqueles que estão em situação de maior vulnerabilidade e exclusão social, que está lá nas prisões.
Uma parte da Bíblia fala: “tive sede e me deste de beber, tive fome e me deste de comer, estive na prisão e foste me ver”. Então os órfãos, os pobres, as viúvas, os famintos, os desvalidos e excluídos da sociedade, são para essas pessoas que é o Evangelho de Jesus Cristo. Então essa imagem de Jesus Cristo, que é a essência do cristianismo, do que é o amor e a solidariedade, é isso que tem que está realmente presente em nós. Então um representante político, naturalmente, que partilha desses mesmos ideais, não há dúvida nenhuma também que receberá o apoio dos seguidores verdadeiros de Jesus Cristo.
Diário 98: Senadora, o governador Flávio Dino ainda não definiu quem será o seu candidato. Não é importante que esse grupo caminhe unido em torno de um nome? Seria possível um nome que juntasse todo mundo numa espécie de Frente Ampla?
Eliziane Gama: Eu acho eu acho que o governador Flávio Dino vai unificar, sim. Hoje nós temos dois pré-candidatos ao governo, que é o Brandão [vice-governador pelo PSDB] e o Weverton [senador pelo PDT].
O meu partido fez uma definição na pré-campanha pelo nome do senador Weverton, porque entendemos que ele tem as qualificações técnicas, aglutinou e está mais comprometido com as causas do enfrentamento da pandemia neste momento.
E já acho que o governador Flávio Dino começa agora no dia 31 de maio a ouvir todo mundo. Acho que ele precisa unificar, ter apenas uma candidatura. Considero que isso é bom para dar continuidade a tudo que o governador Flávio Dino fez no Maranhão. E essa unificação, no meu entendimento, só vai ganhar o Maranhão, só vai ganhar o Brasil e todas as políticas públicas que foram capitaneadas pelo governador Flávio Dino.
Diário 98: A senhora acredita que a CPI da Covid vai chegar a um resultado prático de apontar responsáveis por essa má gestão na pandemia?
Eliziane Gama: Não há dúvida. A gente já começa a sentir, e já te diria sem medo de errar, por tudo que nós ouvimos, da negligência, da inoperância, da falta de atenção e da falta de prioridade na busca da vacina.
Se a única coisa que eu tenho a meu dispor, se eu estou num momento de pânico, de agonia, o que é preciso buscar? Aquilo que alguém disse que é o meu salvador. Por exemplo, eu preciso buscar uma bóia, uma corda, é isso que vai me salvar. O que a gente tem no mundo? Vacina.
Ora, se no ano passado começaram as tratativas para a compra de vacina no mundo inteiro, em abril do ano passado já havia uma disposição apresentada ao Brasil de 70 milhões de doses. Se o contrato da Pfizer tivesse sido aceito, hoje o Brasil teria 18 milhões de doses. Ou seja, se tivesse dado certo a primeira e as outras propostas que vieram depois, se tivesse dado a agilidade aos demais laboratórios, hoje a gente teria muito mais vacinas.
Então está muito claro de fato essa inoperância, negligência. Eu acho que chegaremos sim ao final com algo materializado, que a gente possa exigir uma ação rápida e imediata por parte do Governo, no sentido de garantir aquilo que é fundamental: que é a vacinação e imunização da população brasileira.