Ricardo Cappelli*
(publicado originalmente no Congresso em Foco)
É curiosa a histeria dos liberais quando se coloca em debate a revisão do teto de gastos e da reforma trabalhista. A situação é tão pitoresca que o establishment resolveu fazer de um ex-juiz medíocre e ignorante o novo farol do liberalismo brasileiro. Roberto Campos deve estar dando voltas no túmulo.
Em contato com a realidade objetiva, os pseudoliberais brasileiros resolveram que transformariam esterco em ouro. Difícil funcionar.
A reforma trabalhista não criou os empregos prometidos. Se corrigiu pequenas disfunções de nosso sistema, serviu mesmo para aprofundar, maximizar e oficializar a mais-valia que avança em progressões geométricas.
O teto de gastos é outra ficção. Uma jabuticaba inventada pelo desespero de um presidente que tentava se agarrar à cadeira – a guinada fiscalista e neoliberal de Temer com a sua “Ponte para o Futuro” rompeu com as tradições históricas do MDB, patrono da Constituição Cidadã de 1988.
O que o tal teto trouxe de benefícios? Fechamos 2021 com a inflação em dois dígitos e o desemprego nas alturas. Permanentemente ameaçado por suas próprias loucuras, Bolsonaro liquidou o orçamento público e a capacidade de investimento do país.
São raros os liberais autênticos no Brasil. O que temos de sobra é uma elite atrasada, escravocrata e sem nenhum compromisso com o país.
O que hoje ameaça a democracia é o mesmo que está transformando a nossa elite em alquimista de quinta categoria: a desigualdade crescente. Segundo o economista francês Thomas Piketty, vivemos a maior concentração de renda e riqueza da história da humanidade.
Ninguém nasce com “vontade de democracia”. Ela é um contrato social assinado pelo povo com a garantia de que a sua vida vai melhorar. Sem apresentar ideias que dialoguem com este problema histórico objetivo – desemprego estrutural ascendente, formação de exércitos de “inimpregáveis”, concentração brutal da renda e do capital -, nenhuma ideologia fica de pé.
Quais as propostas dos liberais para resolver estas questões? Uberização das relações de trabalho? Teto de gastos para impedir a expansão das políticas sociais e a possibilidade de um novo projeto nacional de desenvolvimento?
André Lara Resende, economista, intelectual e considerado um dos pais do Plano Real tem dinamitado o neoliberalismo anacrônico e mofado. O insuspeito liberal, ciente do momento histórico vivido pelo atual processo de acumulação capitalista, adotou a defesa de um neokeynesianismo com foco no planejamento e na eficiência.
O “campo liberal” está em crise por ver que seus pressupostos clássicos estão naufragando diante de uma realidade cada vez mais excludente. Não adianta defender um bolsonarismo “educado e pró-vacinas” sem Bolsonaro.
Para ficar com as mesmas ideias com voz de marreco, talvez a parcela conservadora de nossa sociedade prefira o original.