Ex-ministro e ex-deputado federal, Aldo Rebelo (sem partido) critica, em entrevista ao Diário 98, o excesso de nomes para uma terceira via presidencial que consiga furar hoje a bolha em torno dos dois favoritos ao pleito do ano que vem: Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e o ex-presidente Lula (PT), que segundo pesquisas lidera todos os cenários. “O problema é que na terceira via também há tantas alternativas que até o acostamento já está cheio”, afirma.
“A aliança tem que viabilizar um projeto de país, a retomada de um caminho para o Brasil. Esse que é o desafio”, diz Aldo, que recentemente lançou o livro O Quinto Movimento, com propostas para a economia, a democracia e a Amazônia, entre outros temas.
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Questionado se o Brasil corre um risco de um golpe militar com patrocínio dos militares, o ex-ministro da Defesa é categórico: “não creio”. “Eu vejo situação de tumulto, de instabilidade provocada pela desorientação que o país atravessa. Mas golpe eu sinceramente não vejo perspectiva pra isso”, afirma.
Ao longo da sua carreira política, Aldo Rebelo foi ministro da Defesa, da Ciência e Tecnologia, ministro dos Esportes, ministro de Coordenação Política e Relações Institucionais. Foi ainda presidente da Câmara e chefe da Casa Civil do governo de São Paulo. Difícil encontrar muitos outros currículos com tamanha quantidade de cargos relevantes exercidos e com tanto ecletismo nas tarefas.
Para Aldo, as brigas constantes do presidente Jair Bolsonaro contra prefeitos e governadores agravaram a gestão da pandemia no Brasil. ‘Porque ao invés de unir as energias da União, dos estados e dos municípios, e dos institutos de pesquisa, da saúde pública, das universidades, num esforço comum para conter os danos da pandemia, o Presidente da República fragmentou, dividiu, fragilizou”.
Diário 98: Aldo o Brasil corre o risco de um golpe com apoio militar?
Aldo Rebelo: Não creio. O Brasil vive uma situação institucional, político e social muito distinta da que vivia em 64 quando houve o golpe de Estado. O golpe de Estado em 64 teve apoio diplomático dos Estados Unidos. Vivíamos a Guerra Fria. Apoio do empresariado, o apoio da Igreja com notas da CNBB defendendo o golpe. Apoio da mídia, dos grandes jornais da época. Os editoriais em defesa do golpe eram escritos pelo grande jornalista da época como Carlos Heitor Cony, Alberto Dines o Antônio Callado eram os grandes editorialistas do Brasil. A classe média apoiou o golpe, o mundo político, os governadores de São Paulo, de Minas, do Rio Grande do Sul, e os militares que no fim também entraram apoiando o golpe.
Nós não temos a situação nem de longe parecida. Não há apoio internacional, não há apoio empresarial, não há apoio da mídia, não há apoio da classe média, não há apoio militar. Portanto, eu não julgo possível o Brasil viver uma situação de rompimento da legalidade. Eu vejo situação de tumulto, de instabilidade provocada pela desorientação que o país atravessa. Mas golpe eu sinceramente não vejo perspectiva pra isso.
Do governo Temer pra cá o Ministério da Defesa deixou de ser chefiado por civis para ser comandado por militares. Na sua visão isso enfraqueceu o poder de fiscalização da sociedade sobre o trabalho dos militares?
Embora o Ministério da Defesa tenha uma vocação para a função de civis à frente do Ministério, não é essa a principal distinção que deve ser feita.
A minha impressão é que a liderança do Ministério da Defesa que não soube interpretar o papel das Forças Armadas diante da Constituição, essa liderança vai ser responsável pela instabilidade do país, e o que está acontecendo, pode ser um civil ou militar. Porque houve um ministro militar, o general Silva e Luna, que comportou se como um civil à frente do Ministério da Defesa. Então o Ministério tem a vocação de ser ocupado por um civil, mas não é exatamente essa distinção que gera instabilidade no cargo de ministro da Defesa.
O senhor lançou um livro recentemente. O que significa o quinto movimento?
O quinto movimento é a reunião das minhas convicções adquiridas ao longo da vida, desde os bancos escolares, desde a infância, a juventude, o que eu penso do Brasil, a sua história e formação, os seus desafios ou seu futuro.
São essas convicções que eu reuni com a minha experiência de movimento estudantil e presidente da UNE, vereador, deputado federal, presidente da Câmara, ministro, líder do governo, ministro em várias pastas, Defesa, Ciência e Tecnologia, Coordenação Política, Esporte. Essas convicções, essas experiências oferecem no livro uma periodização da história do Brasil em quatro movimentos.
O primeiro que é a formação do território. O segundo que é o da independência. O terceiro que a consolidação da unidade do país. O quarto movimento é a República, do Deodoro, do Floriano, da Era Vargas, do Juscelino, dos governos militares até o governo Lula.
E aí nós propomos o quinto movimento que é para essa situação que o Brasil vive hoje, de desorientação. São 21 capítulos onde eu trato da economia, da democracia, da Ciência e Tecnologia, dos militares, da agricultura, da reindustrialização, dos Direitos da Mulher, da questão indígena, das desigualdades. Eu trato em cada um desses capítulos, desses temas que constitui na minha opinião os desafios para a retomada da construção inacabada do Brasil.
Você foi relator do Código Florestal. Agronegócio é um problema ou solução?
É uma solução. Poucos países têm a fortuna, a dádiva de receber o território, a fronteira agrícola, a disponibilidade de água, de sol e terras férteis para uma agricultura tão próspera como a nossa.
O Brasil tem essa agricultura, que nos dá segurança alimentar, que ajuda a promover a segurança alimentar do mundo, que tem uma classe de produtores muito experiente, que se espalha rapidamente pelo Brasil, onde chega transforma a realidade, cria riqueza e empregos, tributos divisas para o Brasil. E nós sofremos naturalmente a pressão da concorrência internacional, porque a presença dessa agricultura brasileira no mundo desloca produtores americanos e europeus que procuram uma agenda para criar problemas para o Brasil.
Tem problemas na nossa agricultura, na nossa pecuária? Tem, mas não é por causa deles que o Brasil sofre essa pressão. É porque o Brasil desloca mercado de seus concorrentes no mundo com a sua agricultura altamente competitiva. Só para tomar o caso da pecuária, nós temos o maior rebanho bovino do mundo. Nós somos os maiores exportadores de carne bovina no mundo. Entre 2000 e 2020, em 20 anos nós exportamos R$ 265 bilhões de dólares em carne para o mundo. Eu acho isso é uma coisa muito boa para o Brasil.
“Querem substituir o voto popular pela legitimidade do concurso público”. Essa sua frase continua atual?
Mais do que nunca atual. Essas corporações, como a Lava Jato e o Ministério Público por exemplo, elas não se voltaram contra uma liderança em específico, contra um partido. Não era contra Lula, contra o PT, e depois contra o PSDB. Era contra a política.
Eles botaram na cabeça que têm como destino substituir os deuses da antiguidade. Os deuses da antiguidade tinham como atribuição decidir o destino humano. Quando você queria saber o seu destino você ia aos Oráculo de Delfos fazer uma consulta e você sabia o que ia acontecer.
A política substitui os deuses como atribuição do destino. A política passou a decidir o destino humano. E esses deuses da modernidade, essas corporações públicas e privadas, a mídia, o Ministério Público, o Judiciário, essas corporações botaram na cabeça que elas têm mais legitimidade para decidir o destino, porque são meritocráticos, porque são mais ‘puros’ do que a política, que vem acompanhada das impurezas, da corrupção, do voto comprado, do voto do analfabeto. E aí criaram essa confusão. Eles querem substituir a política só que não tem os apetrechos, não tem a capacidade de fazer a mediação dos conflitos que a política é capaz de fazer. Taí o resultado. Os erros cometidos por essa Lava Jato.
Como que você enxerga o permanente ataque do presidente Bolsonaro aos governadores?
Eu vejo como mais um capítulo da desorientação do Presidente da República, da incapacidade de gerir um país com a complexidade política e econômica, regional e social que tem o Brasil. Ele não estava preparado para isso. E, além do mais, eu vejo também com uma certa demonstração de impotência, de desespero que é resultado da insegurança e da incapacidade do país.
A insegurança e a incapacidade podem gerar esse tipo de reação brutal, violenta, aparentemente como se fosse uma valentia, mas não é valentia. Isso é bravata. A valentia geralmente é uma virtude acompanhada da modéstia, da discrição, e não desse tipo de comportamento do nosso no nosso presidente.
Na pandemia esse comportamento agravou o que já era ruim, agravou uma situação que já era difícil. Porque ao invés de unir as energias da União, dos estados e dos municípios, e dos institutos de pesquisa, da saúde pública, das universidades, num esforço comum para conter os danos da pandemia, o Presidente da República fragmentou, dividiu, fragilizou. Ele ajudou a tornar pior o que já era difícil, o combate à pandemia. Boa parte da responsabilidade, do insucesso do Brasil no enfrentamento, os assessores dele previam que iam morrer três mil pessoas. Morreram quase 600 mil. Só isso já mostra o quanto eles estavam errados.
O senhor Flávio Dino foram companheiras de partido. A relação continua boa? Como o que o senhor vê o papel do governador?
Eu vejo como um papel muito importante. Eu tenho muito apreço pelo governador Flávio Dino. O visitei várias vezes como o ministro do Esporte, e como ministro da Defesa levei o comandante da Marinha e o comandante do Exército para a transferência de um terreno. Para a implantação de uma base da Marinha da segunda esquadra para tomar conta do Norte do Atlântico, e da entrada do rio Amazonas. Então nós tivemos um bom convívio de cooperação.
A saída dele do PC do B obedece às circunstâncias da vida política, ou seja, das dificuldades que ele deve ter enfrentado com os companheiros dele. Ele é um líder importante no Maranhão, prefeitos, deputados, vereadores. Essa decisão deve estar relacionada com a resposta que ele precisava dar aos seus liderados. Eu também saí do PC do B, mantenho lá boas relações, ele também deve manter, mas é assim que é a vida. Exigências e convicções que nos obrigam a determinadas atitudes.
Você acredita que há uma possibilidade de surgir uma terceira via entre Lula e Bolsonaro?
A terceira via existe, ela só não está se inviabilizando. Porque há uma rejeição muito grande ao atual presidente. Tem 30 por cento no máximo de apoio, e tem 70 por cento que não apoia. A mesma coisa com o PT. O PT deve ter 30 por cento de apoio, um pouco mais ou um pouco menos, e 70 por certo que não apoia. Então são duas correntes de muita rejeição no país.
Ora, a terceira via é exatamente esse canto que procura um caminho. O problema é que na terceira via também há tantas alternativas que até o acostamento já está cheio. Muito nome na terceira via.
Aí você tem uma terceira via com o Ciro Gomes, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem o Dória, e tem o presidente Michel Temer que também ensaiou o lançamento. A senadora do Mato Grosso do Sul, Simone Tebet, também se lançou. E tem o Mandetta. Então é muito o nome.
E são projetos de poder. Você não vê com clareza um projeto de país. Você não pode fazer uma aliança simplesmente para viabilizar uma vitória eleitoral. A aliança tem que viabilizar um projeto de país, a retomada de um caminho para o Brasil. Esse que é o desafio. Se esse desafio for vencido e aparecer um nome que consiga reunir apoio e convicções em torno desse caminho ela se viabiliza, senão nós vamos para a eleição polarizada mesmo, como é o atual momento.