Bolsonariso
(Foto: Reprodução)

Flávio Dino (PCdoB), uma das principais lideranças de esquerda no Brasil, se reelegeu governador do Maranhão em 2018 com uma base plural de 16 partidos aliados. Como todo bom líder progressista, a formação de Flávio Dino conta com leitura disciplinada do intelectual italiano Antonio Gramsci, um dos grandes formuladores ideológicos das teorias marxistas. 

A leitura de Gramsci deu a Dino a clareza para entender que uma das grandes estratégias de dominação das elites do século XX, atendia pelo nome de “Hegemonia Cultural”, uma forma engenhosa de manter toda a sociedade mobilizada para garantir o cumprimento dos interesses das classes dominantes. 

De maneira hábil, Flávio Dino entendeu que para quebrar a lógica de hegemonia cultural das elites maranhenses e – a partir daí reorientar as diretrizes da máquina pública estatal do Maranhão para os interesses dos mais vulneráveis – seria fundamental construir um projeto de diálogo COM TODOS em torno de uma agenda pactuada com o Núcleo Progressista que chegou ao poder no Estado em 2014. Foi um movimento semelhante ao que o presidente Lula fez a partir de 2003, com ajuda de outro leitor de Gramsci: José Dirceu. 

A partir de 2016, um fenômeno de ruptura de lógica aparentemente contra-hegemônica passou a ter espaço na construção das estratégias da direita para a tomada de poder. O uso da internet e, principalmente, dos próprios instrumentos constitucionais e jurídicos com a finalidade de destruir o Sistema Democrático, passaram a ser utilizados majoritariamente por neofascistas. 

Quem desejar pode se aprofundar sobre o tema por meio do já clássico livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. O que desejo destacar aqui é a tese de que as elites, ancoradas por teses reacionárias, entenderam que as ferramentas da própria democracia, associadas à mente de um bom programador especialista em inteligência artificial e algoritmos, poderiam implodir as democracias ocidentais. 

Ambicioso, o projeto foi articulado tendo à frente uma empresa privada mantida por conservadores americanos, chamada Cambridge Analytica. O papel da empresa foi crucial para a eleição à presidência dos Estados Unidos de Donald Trump e a aprovação do Brexit na Grã-Bretanha. Nós sabemos hoje que ambos foram fenômenos cruciais para a ascensão do projeto de tentativa de destruição das democracias ocidentais. 

Em resumo, com uma tática de mineração e análise de dados combinada à comunicação estratégica focada no processo eleitoral democrático, a Cambridge Analytica aprendeu que apelos emocionais podem ser organizados em lógicas de bolha, retirando a importância da análise jornalística dos fatos e associando a relevância das notícias em circulação na internet a critérios emocionais manipuláveis. Assim, Trump nos Estados Unidos e o Brexit na Europa ascenderam com uma narrativa abertamente anti-globalização e antidemocrática. 

No Brasil, a tática de manipulação da informação na era da pós-verdade veio associada à uma tática militar conhecida como “guerra híbrida”, que é formada por “um conjunto de ataques informacionais em instrumentos não convencionais, como as redes sociais, para fabricar operações psicológicas com grande poder ofensivo, capazes de ‘dobrar a partir de baixo’ a assimetria existente em relação ao poder constituído”, como explica o professor Pierro Lierner. 

Em resumo, Bolsonaro usa a guerra híbrida para manter sob seu controle um grupo de eleitores que, dentro do sistema eleitoral brasileiro, são suficientes para mantê-lo no poder, algo que gira em hoje em torno de 30% a 35% do eleitorado nacional. 

A tática opera na contramão da estratégia democrática e progressista de construir consensos para governar de modo harmônico com as maiorias. Ao contrário, ela usa a sociedade para produzir um clima permanente de beligerância ideológica e, assim, confundir e exaurir os indivíduos. Enquanto isso, um grupo organizado (o gado) se mantém fiel ao projeto de poder do líder catalisador do caos.

Deste modo, temos de um lado o modo gramsciano de Flávio Dino para governar, ancorado no diálogo e na construção de consensos com TODA a sociedade e, de outro, o modo de guerra híbrida e fake news, que se aproveitam da dissonância cognitiva gerada nas redes sociais, para manter um líder caótico e ignorante, com o mínimo de aprovação necessária para perpetuar-se no poder. 

Se quisermos quebrar a resiliência bolsonarista, teremos que refletir com atenção sobre o poder da pós-verdade e da guerra híbrida digital nesse contexto.

*Lígia Teixeira é jornalista e historiadora